sexta-feira, 6 de abril de 2012

Obra de Nati Cortez citada por acadêmico.

Júlio de Castro Paixão
Cadeira 22

  • Fundador e ocupante da Cadeira Vinicius de Moraes, da Academia de Letras de Viçosa.
  • Nascido aos pés da serra da Capivara, município de São Raimundo Nonato,
  • Piauí, onde se encontra o mais importante sítio arqueológico do Brasil.
  • Estudou Direção Teatral na Universidade Federal da Bahia e formou-se na primeira turma de engenheiros florestais do Brasil (1964), pela Escola Nacional de Florestas, sediada na antiga Universidade Rural do Estado de Minas Gerais, transferida para a Universidade Federal do Paraná.
  • Curso de Especialização em Dendrologia na Universidade de Colônia, na Alemanha e de Ciências Florestais da Organização dos Estados Americanos, no Rio de Janeiro.
  • Mestrado em Biometria Florestal na Oregon State University (EUA).
  • Como engenheiro florestal exerceu , entre outras, as seguintes funções:
  • Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia;
  • Engenheiro florestal do Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário;
  • Engenheiro florestal inventariante para a implantação da Aracruz Florestal e primeiro engenheiro florestal daquela companhia;
  • Pesquisador contraparte do PRODEPEF, convênio PNUD/FAO/IBDF;
  • Professor Assistente de Silvimetria e Inventário Florestal na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro;
  • Diretor da Divisão de Inventários Florestais do Departamento de Pesquisas do Instituto Brasileiro de desenvolvimento Florestal – IBDF, atual IBAMA.
  • Coordenador e instalador dos Inventários Florestais Contínuos de Coníferas nas Florestas Nacionais do Brasil.
  • Na Área Cultural tem trabalhado na Universidade Federal de Viçosa, desde 1982, em:
- Laboratórios de desenvolvimento de atores, com montagens de peças
teatrais com estudantes universitários, entre as quais:
. Seis personagens à procura de um autor, de Pirandello;
. Piquenique no front, de Arrabal;
. Nossa cidade, de Thornton Wilder;
. A revolta dos brinquedos, de Pernambuco de Oliveira
. Canção dentro do pão, de R. Magalhães Júnior;
. A abelhinha sonhadora, de Nati Cortez
. Dorotéia vai à guerra, de Carlos Alberto Ratton;
. Risadinha ficou sério, de Júlio Paixão
. Jacques e seu amo, de Milan Kundera
  • Idealização, roteiro e direção dos seguintes recitais:
. Uma visão de Drummond (poética de Carlos Drummond de Andrade);
. O verbo no Infinito (poética de Vinicius de Moraes)
. Três mulheres em família, (poética de Cecília Meireles, Cora Coralina e Adélia Prado), com sua esposa Maria Lídia Gomide Paixão
  • Assistência Técnica da Divisão de Assuntos Culturais, ocasião em que colaborou na reestruturação daquele órgão, no ante-projeto de criação da FACEV, e coordenou grandes eventos culturais como o Salão Nello Nuno e o Salão Universitário de Expressão e Criatividade – SUEC
  • - Representação da Universidade Federal de Viçosa em diversos congressos, seminários e simpósios de cultura e arte e no Circuito Cultural das Universidades Federais de Minas Gerais.
  • Atual coordenação da Casa Arthur Bernardes da Universidade Federal de Viçosa
  • Atividades como dramaturgo, contista e poeta, ainda sem obra publicada. É autor da peça infantil Risadinha ficou sério, do conjunto de esquetes Bubiça, do livro infanto-juvenil Ventvert, e do livro de poesias Entrega , em edição pela Academia de Letras de Viçosa.

DISCURSO PROFERIDO POR JÚLIO DE CASTRO PAIXÃO
POR OCASIÃO DE SUA POSSE NA ACADEMIA DE LETRAS DE VIÇOSA, INAUGURANDO A CADEIRA VINÍCIUS DE MORAES,
AOS 29 DE NOVEMBRO DE 1991

Excelentíssima Senhora Maria Aparecida da Silva Simões, mui digna presidente da Academia de Letras de Viçosa
Digníssimos Confrades,
Autoridades presentes,
Senhoras e Senhores.

Com as lágrimas do tempoE a cal de meus dias
Eu fiz o cimento
Da minha poesia.

E na perspectiva
Da vida futura
Ergui em carne viva
Sua arquitetura

Não sei bem se é casa
Se é torre ou se é templo
(Um templo sem Deus)

Mas é grande e clara
Pertence a seu tempo
- Entrai. irmãos meus!

Entendo esse soneto como sendo o convite que recebo do poeta Marcos Vinicius de Mello Moraes, através desta honorável Casa e, mais especificamente, pelas mãos do Dr. Ary Teixeira de Oliveira que lhe indicou meu nome. Pois foi através da obra de Vinicius de Moraes que entrei pelos caminhos encantados da poesia, da vontade incontrolável de poetar, da inquietação de pôr em versos o que, desde muito jovem, me queimava docemente a alma.
Minha lista de poetas preferidos é bastante longa, de modo que eu, por muito tempo, não saberia dizer se Vinicius de Moraes era verdadeiramente o preferido dos preferidos. No entanto, sempre soube que era com sua obra que eu mais me identificava. Seus versos povoaram minhas cartas de amor na juventude. Mais tarde, tive o grande prazer de conhecê-lo pessoalmente, de olhar em seus olhos cheios de bondade e amor ao próximo. E confesso enorme inveja de meus irmãos que privaram de sua intimidade, na casa de um dos quais o poeta aparecia para mais um copo nos fins de tarde em Itapoã, quando de sua longa estada em Salvador:

Passar uma tarde em Itapoã
ouvir o mar em Itapoã...

Último representante da Segunda fase do Modernismo no Brasil, dentro de suas linhas doutrinárias estritas, sua obra divide-se em duas bem distintas fases.
A primeira é caracterizada por uma tendência transcendental, em que ele se demonstra, ao mesmo tempo, patético, dramático, hermético e inquieto. Foi então que escreveu O caminho para a distância, Forma e Exegese, Ariana, a mulher.
Na Segunda fase, seduzido pelo mundo material, procura derrubar certos preconceitos sociais vigentes. Depois, relaciona essa inquietação com a experiência corrente, traduzindo o mistério em familiaridade e temperando-o com fino humor. Valoriza a naturalidade do amor humano, estabelecendo curiosas ligações entre as belezas da natureza e a vida amorosa, procurando enfim abolir as fronteiras ditas físicas e não físicas do amor.
Escreve, então, versos que traduzem compromisso social e político: Antologia poética, Novos poemas, Procura-se uma rosa, Pra viver um grande amor, Para um menina com uma flor.
Tendo começado pela forma mais ampla, o poeta não busca ir mais longe; ao contrário, procura conter-se, conseguindo ganhar com isso em simplicidade e concisão.
Teatrólogo, cinegrafista, cronista, crítico de arte e cinema, o poeta Vinicius de Moraes dedicou-se também à Diplomacia. E é uma das figuras centrais que deram origem à nova música brasileira. Neste modesto ensaio de homenagem, vale lembrar que ele é o autor de , entre outras, as famosas canções Rancho dos namorados, Manhã de Carnaval, Corcovado, Derradeira primavera, Ela é carioca, Insensatez, Garota de Ipanema, Água de beber, Pobre menina rica, Primavera, Marcha da Quarta–feira de cinzas, Minha namorada, Berimbau, Consolação, Formosa, Canto de Ossanha, Zumbi, Arrastão, Canto de amanhecer, Se todos fossem iguais a você. Os parceiros ? Variadíssimos, pois uma de suas grandes qualidades era a comunicação pessoal e artística, sem discriminação, mas sempre dentro da bolha dourada da estética.
É muito rica sua biografia, rica como sua alma magnânima e gentil. Além de presentear-lhe com o Dom da poesia, Deus o abençoou com a virtude da gentileza e isso era um dos ingredientes de seu encanto pessoal.
Estreou em 1933, aos vinte anos, quando as grandes abstrações eram a moda na literatura. Embriagado nessa vertigem, com invocação ao espírito e à verdade, o poete escreve O caminho para a distância, onde reinvindica um lugar privilegiado como ser meio exotérico, compassivo para com os homens, mas, certamente acima de todos os homens:
A vida do poeta tem um ritmo diferente
...............................................................
E a sua alma é uma parcela do infinito.
Esse comprometimento com a poesia mostra o poeta como um sacerdote, só que de uma religião muito mais complexa do que qualquer outra. Revela uma alma que sofre pavorosamente a dor de ser privilegiada:
Ele é o eterno errante dos caminhos
Que vai pisando a terra e olhando o céu.
Na observação crítica de seu íntimo amigo Oto Lara Resende, "na verdade ele olhava então mais o céu do que pisava a terra a que se sentia, contudo, atraído por uma incoercível, terrena e já evidente – pelo menos nas entrelinhas - lei da gravidade".
Em Forma e exegese, de 1935, respirava o mesmo estro que O caminho para a distância, mas é ainda mais ambicioso, mais altissonante, pode-se dizer até mais pomposo. Esprai-se em ritmo solene, é um sacerdote que, do alto de sua sapiência e do fundo de sua devoção, fala à turba dos leitores, sem com ela confundir-se. Mas é daí que , para sua antologia, ele escolhe o deleitável Ausência, "símbolo do involuntário drible do lírico no cipoal de angústias metafísicas onde o poeta se havia enredado" (Lara Resende):
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
............................................................................................................................
E ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais do que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Em 1936 surge Ariana, a mulher que, segundo o próprio autor, encerra sua reconhecida fase transcendental, freqüentemente mística, pois nesse livro ele guarda ainda a opulenta retórica da primeira fase:
E tudo em mim buscava Ariana e não havia Ariana em nenhuma parteMas, se Ariana era a floresta, por que não havia de ser Ariana a terra?
Se Ariana era a morte, por que não havia de ser Ariana a vida?
Por que, se tudo era Ariana e só Ariana havia e mais nada fora de Ariana?
Não se pode fixar com precisão a data em que se operou a mudança; quando ele transitou definitivamente no reino do sublime, freqüentado por tantos poetas menores, para o plano do real; quando se despojou da contemplação narcisista de seus provavelmente imaginários tormentos pessoais. Enfim, não se pode precisar a data em que surge esse outro Vinicius de Moraes, cantor sem sustenidos artificiais, sem falsetes que não pertencem à sua garganta; o poeta sem pose, enjoado, enfarado de suas orgulhosas inquietações mais ou menos postiças; de ênfases mais adolescentes do que poéticas; o artista a quem esta noite eu venho tentar uma homenagem:
Meu sonho eu te perdi; tornei-me em homem
Feito em homem, homem entre os homens, homem entre os seres da Natureza, o poeta se dá conta de seus cinco sentidos alertas, que de resto nunca lhe faltam, pois seus eflúvios místicos sempre se mesclaram de inequívocos arrancos sensuais, sobretudo na primeira obra, quando ele ainda estava menos consciente de sua aristocrática missão de bardo, como pode ser observado em Elegia ao Primeiro Amigo:
Seguramente não sou euOu antes: não é o ser que sou, sem finalidade e sem história
É antes uma vontade indizível de te falar docemente
De te lembrar tanta aventura vivida, tanto meandro de ternura
Neste momento de solidão e desmesurado perigo em que me encontro.
Mas, agora ele encara de vez sua sensualidade, se desnuda e mostra despudoradamente sua até então recatada forma de amar. Despede-se dos poetas intelectuais franceses, dos metafísicos ingleses e, braço dado com Neruda e Lorca, sensuais e sociais, parte para cantar a mulher companheira, a parte de nós homens que não é nós e que por isso mesmo nos é tão cheia de mistério; um mundo a explorar e, inevitavelmente, enaltecer.
Vinicius aí encontrou sua medida; pôs-se à vontade dentro de um lirismo que, sobretudo a partir de Cinco Elegias, de 1943, está mais solto, mais desenvolto. O poeta multiplica seus rítmos e persegue sua substância, desvendando os próprios temas. Para isso já dispõe de um instrumento hábil e adestrado pois – e aqui peço permissão para me expressar mais informalmente – sua manipulação do verso é acrobática, com uma flexibilidade musical capaz de fazer misérias!
Exemplifique-se com Balada do Mangue, seu famosíssimo canto de piedade às meretrizes:
Pobres flores gonocócicas
Que à noite despetalais
Às nossas pétalas tóxicas!
Pobres de vós, pensas, murchas
Orquídeas do despudor
Não sois Loelia tenebrosa
Nem sois Vanda tricolor
Sois frágeis, desmilingüidas
Dálias cortadas ao pé
Corolas descoloridas
Enclausuradas sem fé
Agora vai descobrir também que a mulher, gente de carne e osso, é companheira e amiga:
Não tu não és um sonho, és a existência
Tens carne, tens fadiga e tens pudor
No calmo peito teu..
É nessa época ainda que ele reconhece os amigos e os homenageia com Soneto a Otávio de Faria, Saudade de Manuel Bandeira, Badalada de Pedro Nava, Mensagem a Rubem Braga e tantos outro. Voltas-se para o tempo presente, esquece as profecias de timbre apocalítico e, como já não se preocupa mais com a eternidade, com a sua posteridade, é aí certamente que começa a assegurá-la.
Para qualquer um de nós com um pouco de luz no espirito, o despojamento é encontrado com a vivência: É bonito, é positivo o despojamento, é algo mesmo religioso dentro de nós, pois é nossa aproximação de Deus. No poeta, contudo, é ainda mais: É o coroamento de sua obra, é o encontro da própria Divindade:
"A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado... no absoluto de si mesmo."
Tomado o partido do sentimento contra o ressentimento, o poeta afasta a solidão e assim alarga o campo de sua comunicação com o grande público que lhe confere a palma de sua glória. Essa comunicação mais ampla, mais numerosa e até mais fácil pedirá a cooperação da música. Poema e canção se casam, convivem amigável e respeitosamente na penumbra de uma boate que o público abarrota para ouvir. E aí ele desafia qualquer perigo de vulgarização, de concessão literária, para uma possível maior compreensão: No meio do povo, lá está a grande intelectualidade do país, aplaudindo o casamento dos versos – que já conheciam tão bem, que já tão bem haviam analisado literariamente – com a bela e fidalga música do poeta e de seus parceiros, como se embriagados de um bom vinho misturado ao néctar de deliciosa fruta.
E sentiram e testemunharam a excelência dessa tocante mistura, exótica, sensual, profundamente humana. E o povo sentiu o mesmo e dançou seus poemas e sambou seus sonetos. E a alma do poetinha, como ele modestamente se chamava, floriu o coração do brasileiro das décadas de sessenta e setenta, e continua florindo o de hoje. O poeta, altíssimo está finalmente na boca do povo. Agora sim, olha o céu, mas sobretudo, pisa a terra pois
mais que nunca é preciso cantar;é preciso cantar pra alegrar a cidade.
A obra de Vinicius de Moraes é toda uma glorificação do amor. O amor é apresentado e exaltado aí em todas as suas faces e, mesmo quando o poeta se mostra desprezado, recalcado, ressentido, sua obra está impregnada desse sentimento maior que, na verdade é o próprio Deus.
O amor filial é exaltado em todos os poemas que escreveu em memória de seu pai, entre outros a Elegia na morte de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, poeta e cidadão:
Diante de ti homem não sou, não quero ser. És pai do menino que eu fui.
Entre minha barba viva e a tua morta há um toque irrealizado
No entanto , meu pai
Quantas vezes ao ver-te dormir na cadeira de balanço de muitas salas
De muitas casas de muitas ruas
Não beijei-te em meu pensamento!
Aqui uma pequena amostra de seu profundo e reverente amor por sua mãe Lydia, revelado em O falso mendigo:
Ah, pensa uma coisa, minha mãe, para distrair teu filhoTeu falso, teu miserável , teu sórdido filho
Que estala em força, sacrifício, violência e devotamento
Que podia britar pedra alegremente
Ser negociante cantando
Fazer advocacia com o sorriso exato
Se com isso não perdesse o que por fatalidade de amor
Sabe ser o melhor, o mais doce e o mais eterno da tua puríssima carícia

E ainda é com essa ternura e uma humildade absoluta que revela seu amor paternal, como em Pedro, meu filho:

Por isso que eu chorei tantas lágrimas para que não precisasses chorar, sem saber que criava um mar de prantos em cujos vórtices te haverias também de perder"

Seu amor pela mulher é tão escancaradamente revelado em sua obra que se torna difícil exemplificar. Acredito, contudo, que a primeira estrofe do Soneto do Amor Total resume o sentimento pela mulher amada:
Amo-te tanto, meu amor... não canteO humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade."
O amor pela Pátria Brasil,  ninguém o revelou mais apropriadamente do que ele em Pátria Minha com o qual os senhores serão brindados esta noite, na interpretação de meu amigo Ronaldo Vitarelli.
O amor ao próximo, enfim, o mais santificado de todos, ele o revela numa de suas obras primas, O Operário em Construção, na qual se aproxima de Cristo e conclama o sentimento de justiça:
O operário via as casasE dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas,
Via tudo o que fazia
O lucro de seu patrão.
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
- Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu!"
Todo homem de espírito tem seu encantamento, assim como todo artista tem seu encanto. Não sou, não posso me julgar realmente um artista, pois não sou dotado desse dom extraordinário que Deus, na conveniência de sua sabedoria, doa a seus eleitos, como doa a outros o dom da santidade. Acredito, portanto, que a razão de minha escolha para esta reverenda Casa é me considerarem um homem de espírito, o que já me honra profundamente e faz agradecido. O meu encantamento maior são as Artes Cênicas. A obra de Vinícius de Moraes, além de tantas outras louváveis qualidades, tem a qualidade cênica. Sua poética encanta sem costumar deixar o leitor parado, apenas contemplativo, porque é uma obra transcendente que diz ao leitor o que ele gostaria de dizer, simplesmente porque ela transpira amor e o amor, a despeito de toda a deturpação que a vida moderna traz ao espírito do homem, ainda é a mola mestra do mundo. A obra de Vinícius é uma obra para ser lida, decorada, declamada, cantada. Eu não poderia inaugurar outra cadeira nesta Casa, não poderia homenagear por esta ocasião nenhum outro escritor antes de Vinícius de Moraes; mesmo algum daqueles que até, analiticamente, eu talvez possa considerar um escritor mais refinado, mais grandioso. A sua obra é aquela que releio constantemente; é aquela com a qual cada dia mais me assombro; a que, como uma oração, renova o meu espírito e me dá força. Enfim, é a obra que mais estudo, a que mais divulgo, mesmo tomando a tarefa de ensinar a declamar
porque é preciso cantar
é preciso cantar pra alegrar a cidade.
Dentro de toda a sua obra, que amo pois com tamanha intensidade, encontro um soneto que a resume perfeitamente porque, de forma magnânima – da forma mais sublime que um homem pode se expressar, a forma artística – este soneto é a sua própria biografia:
Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor, nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar

E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e Ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito

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