domingo, 24 de junho de 2012

Agora Felinto Lúcio vai ser ouvido na universidade.

Tribuna do Norte

Natal, 24 de Junho de 2012

Jornal de WM

por Woden Madruga

 



Tocando com os passarinhos

24 de Junho de 2012

“Eu tinha que fazer música na imaginação, porque não havia luz elétrica, não havia nada. Eu tocava com os passarinhos. Eu pegava mamona no mato, cortava, fazia as flautas, e tocava debaixo das árvores para os passarinhos. E eles vinham todos, assim que eu dava a primeira nota. Eles enchiam os galhos das árvores. O meu público eram os passarinhos e os sapos. Eu sei tocar para os animais, de acordo com os animais. Eu sei como dominar a técnica, não a técnica física – a técnica espiritual, a técnica da percepção, a técnica da imaginação para falar com eles, com a aura deles. Consigo falar com eles por intermédio do pensamento. Através do pensamento, olho para eles. No caso do sapo, você não vê o sapo na lagoa, você pensa, imagina isso”

Quem fala essas belezas todas é Hermeto  Pascoal, um dos gênios criadores da música brasileira. Ele vai no rasto das lembranças do menino pobre, albino, de Lagoa da Canoa, interior de Alagoas (“Até os 14 anos de idade eu era um homem do mato”).  Está contado assim no livro Os Sorrisos do Choro, da flautista norte-americana Julie Koidin, editado pela Global Choro Music, de São Paulo, e que deverá ser lançado em Natal no mês de julho. O livro foi tema de uma reportagem de Yuno Silva, publicada no Caderno Viver, edição  da TN do dia 8, com o título “Antologia põe potiguares no panteão do choro”. É que nas entrevistas (são 52) dois dos entrevistados por Julie são os músicos potiguares: João Juvanklin e Carlos Zens. A autora andou por Natal no ano 2002, enturmou-se com os chorões daqui e chegou a dar aulas na UFRN.

Julie Koldin é fascinada pelo  chorinho. Em suas andanças pelo Brasil esteve no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Fortaleza, Recife e Natal. Foram quase 10 anos ouvindo chorinho, tocando choro, conversando com os melhores músicos, compositores, arranjadores, pesquisadores, críticos musicais. Muito bate-papo, muitas madrugadas de anotações. Tem um timaço na sua seleção: Altamiro Carrilho, César Faria, Sivuca, Henrique Cazes, Joel Nascimento, Maurício Carrilho, Paulo Moura, Guinga, Yamandu Costa, Proveta, Alexandre Maionese, formando uma verdadeira enciclopédia sobre a mais brasileira das músicas. Alguns depoimentos são verdadeiras sinfonias. E o nosso Rio Grande do Norte muito bem colocado nesse universo maravilhoso. Volto ao Hermeto Pascoal:

- O som está sempre perto da gente, estou sempre rodeado de som. Porque eu não me inspiro na música para fazer música. Se você se inspira em uma música para fazer música é como repetir, repetir, repetir. Eu me inspiro numa viagem, olhando para uma árvore, ou no som de um automóvel, por exemplo (...) Tudo para mim é natureza, pois a natureza é diferente. É o som de um  carro, o som de um avião, o som de um boi, de um cavalo (...) Eu me inspiro naquilo que poderia – para as escolas – não ser música. Eu me inspiro nas coisas que poderiam não ser música, mas, para mim, tudo é música, tudo é som. Qualquer coisa tem a ver com música, e a música tem a ver com qualquer coisa.

A nossa Ademilde Fonseca é citada por Sivuca, quando o genial paraibano discorre sobre as origens do samba, do forró, do chorinho: “O choro é um ramo da música instrumental carioca. O forró instrumental vem do choro, mas o baião não é instrumental, sempre tem  letra.  Houve uma tentativa de colocar letra em choro, existe uma cantora famosa, Ademilde Fonseca, que cantou choros com letra. Mas o choro é instrumental, pelo menos para mim. Hermínio Bello de Carvalho colocou letra em “Lamento”, e alguém colocou letra em “Brasileirinho”, em “Tico-Tico”, e Ademilde Fonseca gravou. Mas prefiro ficar com o choro instrumental.”

Li o livro de Julie Koidin, emprestado por Yuno, de  duas tacadas, ouvindo a passarinhada de Queimada de Baixo. Aqui e acolá, o alvoroço dos gansos e o grito estridente dos pavões, o fraquejar dos guinés, o gorgolejar dos perus, o canto da seriema, o mugido das vacas e dos bois, o berro dos bezerros, o balir das ovelhas, o rincho dos cavalos, os latidos de Condessa. Sons, muitos sons, muita música, tudo muito bem orquestrado. Faltando apenas  chover,  bendito som da chuva.

Música no Seridó

No meio da semana, a boa notícia: o Seridó vai ter o seu curso superior de Música. O aval é da Universidade Federal do Rio Grande do Norte que atende, assim, a uma velha reivindicação dos músicos da região, seus regentes de bandas, um pessoal da melhor qualidade, cujo DNA passa, por exemplo, por um Tonheca Dantas, um Felinto Lúcio, duas legendas. Sua bandeira é desfraldada, hoje, pelo maestro Humberto Dantas, o grande Bembem, o cara da Filarmônica de Cruzeta.

São muitos nesta empreitada. Gente que realiza certamente um dos mais importantes projetos culturais do Estado, cujas raízes estão fincadas nas “bandas de música do interior”, formadoras de grandes músicos. A partir de agora a garotada não precisa sair de seus terreiros para avançar no estudo da música, se deslocando para Natal ou outros centros. A UFRN vai implantar seus cursos médios já a partir deste ano no chão seridoense. Viva! Bravos!

Quando soube da notícia, Jesus de Miúdo, seridoense do Acari, escriba de bom tutano, soltou foguetões e me mandou o seguinte imeio:

“Ô, velho Woden, no berço de Felinto Lúcio, Tonheca Dantas, Marciano de Florânia, Pinta do Acari, Caçote de Currais Novos e tantos outros, isso é tão festejado quanto um ano bom de inverno. Fiquei feliz feito golinha ou um papa-capim bicando a fruta de um xique-xique”.

A poesia de Nei

Anoteaí em sua agenda: dia 5 de julho, uma quinta-feira, lua cheia, tem o lançamento do livro Nei Leandro de Castro – 50 Anos de Poesia, numa bela edição da Editora Jovens Escribas. Nele estão reunidos 87 (será que contei certo?) poemas selecionados de sete livros que Nei publicou de 1961 (sua estreia com O pastor e a flauta, aos 21 anos de idade) a 2008 (Autobiografia). O lançamento será na Pinacoteca do Estado.

Poema Encontro

Sales Felipe, na esquina do Carneirinho de Ouro, todo de preto, como gosta de se vestir, terno de listras, chapéu de feltro bem posto na cabeça. Tira do bolso do paletó um poema de Maria José Mamede Galvão e recita como se estivesse no palco do Teatro Alberto Maranhão:

“Procurei você/ em caminhos que não eram os meus. / Vaguei pelas veredas / que me levaram a tempos e lugares cheios de saudades, ilusões... /Pelas sombras de veredas/ reverdecidas / adormeci. // Sonhei em tempos de águas claras. / E sonatas de pássaros tenores/ onde, em nosso amanhecer / apenas, espelho / diminuto espelho refletia nosso amor.”


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