segunda-feira, 5 de maio de 2014

Pequenas Ficções. Clauder Arcanjo.

Pequenas Ficções CXXXVII

Clauder Arcanjo

Para Nilto Maciel
(In memoriam)

Olhos de salitre

Tempo de espera. Olhos no distante além. Sem sombra de paz. Na mente, em relampejos de clarividência, uma voz esganiçada, brigona. “Não vem. Não vem, é?...”
Novo aguardo. Desta feita, olhar já cansado. Sem naco de sossego. No corpo, em tremores de dúvida, uma ordem gritada, mandona. “Não vem. Não vem, viu?”
Tempo de desespero. Olhos de salitre.

***

(Des)agradável

Nos lábios, o bom-dia mascado e com raios de sanguínea ira. Desagradável.
Meio-dia, à mesa, garfo e faca a picar e cortar a carne dura, em movimentos de quase carnificina. Desagradável.
Na rede, sesta inquieta, o ronco da discórdia, a ruminar as desventuras últimas, em pragas sucessivas. Desagradável.
À noite, na quietude do quarto escuro, a entrega ao coito, em fantasia de devassa: carnal, sanguínea, movida a palavrões e tangida por açoites. Amantissimamente... (des)agradável.


Reflexão Domingueira CCCXI

Não sei se haverá silêncio no reino das palavras com a inopinada partida de Nilto Maciel. Penso que não. No máximo, receio, os vocábulos recolherão seus barulhos de insignificância para o esgoto das páginas, para, enfim, pouco depois, (re)colherem, sob o arpejo mais divino, a mansuetude marota de quem se fez mestre, urdindo o verso mais singular, em meio ao universo carnavalesco do livro das ilusões nunca extintas.

Reflexão Domingueira CCCXII

Baturité nos presenteou com Nilto Maciel; e ele, apesar do Distrito Federal, mesmos em meio às tantas Fortalezas, nunca deixou de se (d)escrever como o mais universal dos provincianos.

Clauder Arcanjo


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