quarta-feira, 27 de maio de 2015

Raios que o partam, não os da cabeça de Dona Rosa.

Dona Rosa e o para-raios

Ciduca Barros(**)

Quando nós a conhecemos ela já era uma mulher de meia-idade, viúva, baixinha, gordinha, muito agitada, irritadiça e nervosa, apesar de tratar a todos nós de “meus filhos”. A sua mercearia ficava localizada nas imediações do nosso colégio (GDS) e nós, alunos, comprávamos ali. Ela nos tratava sempre com carinho, mas com medo de ser engabelada nas vendas ficava mais nervosa e muito mais irritada.

Como é do conhecimento de todos, no nosso Seridó, por ocasião do tempo chuvoso, são comuns os raios, relâmpagos e trovões. Assim como estudamos em Física, o raio é a descarga elétrica entre uma nuvem e a terra, acompanhada de relâmpago e trovão. E os raios já fizeram muitas vítimas, não só no Seridó, como no resto do mundo. Portanto, o raio é uma manifestação da natureza muito perigosa.

Certa ocasião, justamente quando a mercearia de Dona Rosa estava cheia de estudantes, com alguns deles querendo uma distração dela para lhe dar um calote, apareceu um cidadão de pasta na mão, aparentando, claramente, no seu aspecto exterior, ser um vendedor, aliás, um caixeiro-viajante, como se dizia naquela época.

Aquele homem era vendedor de para-raios e desejava vender um deles para Dona Rosa, que nunca tinha ouvido falar sobre aquele equipamento. Para-raios é um sistema de condutores metálicos colocados nos pontos mais elevados de edificações e ligados à terra, com o fim de proporcionar um caminho mais fácil às descargas elétricas atmosféricas e evitar danos, inclusive perdas de vidas humanas.

Agora me responda você, caro leitor: como a pobre de Dona Rosa iria entender esta complicada explicação sobre para-raios que o sisudo vendedor tentava lhe dar, com o balcão cheio de jovens clientes duvidosos? Cada um daqueles pequenos era um devedor inadimplente em potencial.

Então, a coisa estava nesse pé: o cara, num canto do balcão, tentava explicar o que era o seu produto e Dona Rosa correndo de um lado para o outro atendendo a sua “perigosa” clientela.

Depois de vários minutos nessa agonia, Dona Rosa parou, encarou o vendedor e disse:
– Meu filho, seja simples e direto. O que realmente o diabo desse equipamento faz?
E foi a desgraça do vendedor, pois com a expressão “simples e direto” na cabeça, querendo demonstrar a grande área de ação do seu produto, ele sintetizou:
– É o seguinte, Dona Rosa! A senhora compra um e instala aqui em seu estabelecimento e se um raio for cair lá no Açude Itans (*) o seu para-raios o atrai.
Esta explicação “simples e direta” foi uma dose muito forte para a ansiosa Dona Rosa. Ela parou, colocou as mãos nos quadris e mostrando a sua ampla e trabalhosa clientela, perguntou:
– Meu filho, você acha que eu vou gastar o meu suado dinheirinho pra trazer raios lá do Açude Itans pra dentro da minha casa?

(*) O Açude Itans é um reservatório artificial construído no leito do Rio Barra Nova, em Caicó, com a finalidade de abastecer aquela localidade

(**) Com post no Blog Bar de Ferreirinha

JBAnota  Dona Rosa era a mãe de Jessé, um rapaz que nessa época era proprietário de uma lambreta, novinha e craque no volante, a dirigia em alta velocidade pelas ruas da cidade


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Postado por AssessoRN - Jornalista Bosco Araújo no AssessoRN.com em 5/25/2015 08:51:00 AM