domingo, 9 de agosto de 2015

Cabugi, o vulcão do meio-dia

Publicação: 2015-07-22 00:00:00 | Comentários: 0
Tribuna do Norte.
Marcius Cortez
Escritor

O nosso vulcão não é nenhuma celebridade do cinema ou da televisão. Nosso vulcão tampouco é algum jogador de futebol que da noite para o dia foi tosquiado pela erupção da fama. Nosso vulcão, graças ao piedoso Deus, é de verdade, pois é feito de pedra e de magma.

Cabugi, o nosso Pico do Cabugi já foi escrito com jota. Em recente viagem à região, testemunhei como o Cabugi é um valor arraigado no coração da família angicana e lajense. Decerto muitos dos moradores de Angicos e de Lajes quando perguntados se gostariam de ser pássaro,  estrela ou Super-Homem, responderiam sem pestanejar que prefeririam ser simplesmente o Cabugi, existir vulcão que mesmo inativo, mostra-se exuberante ao sol a brincar com os nossos sentidos quando lá de cima, fitamos o horizonte. (No topo do Cabugi, avistam-se dunas e mar).

Os índios chamavam o Cabugi de peito da moça, devido ao formato. Segundo estudiosos, o pico tem apenas 20 milhões de aninhos. Xô, velharia! Espere aí, o vulcão é uma mina de fogo, gelo e água, cem por cento ecológico, cem por cento inexplicável. Vulcão é um acidente geológico e geográfico que dorme à sombra do mistério. O seu irmão, o Vesúvio quando destruiu Pompéia e Herculano no ano de 79 a.C. produziu um enigma que até hoje desafia a ciência. Herculano ficou soterrada pela larva a uma profundidade de 321 metros e diversos manuscritos da biblioteca da cidade, embora carbonizados, foram preservados. Entre eles, há escritos de Epicuro (342 a.C.-271 a.C.). Milagre? Não, não se trata de milagre, pois qual deus se interessaria em preservar Epicuro? O desmantelado herege, o chegado na bagaceira do êxtase pelo êxtase. Para Epicuro, cada pessoa é Deus. Cada um é escolhido pelo Todo-Poderoso para pregar o amor pelo voo livre dos poetas e seresteiros. Não importa que tipo de prazer, pois prazer não tem cor, religião, ideologia, endereço, antecedentes, currículo, ora, ora, prazer é felicidade e ponto final.

Admiro a veneração que a população do Rio Grande do Norte sente por um vulcão que não explodiu, que tem humildes 590 metros de altitude e que foi classificado pelos vulcanólogos como neck (pescoço vulcânico). Por isso, a título de sugestão, pare o carro no acostamento, fite o Cabugi sem pressa e eu aposto que sua mente ficará ocupada por dias seguidos pelo fascínio da beleza da escultura do pico. Ou se você quiser, faça melhor: junte-se a Cícero e a Eudes, os trilheirosdacaatinga@gmail.com, e na companhia deles suba a Serra. Em menos de 3 horas, você estará no bico do seio da moça. É o momento de abrir os braços e de procurar ver a sombra de seu corpo desenhado na rocha. Lá no topo, uma estranha força produz uma repentina visão, a água brota aos borbotões das paredes da pedra quente. Água enriquecida com urânio, água com a potência de uma bomba. Toda a região se converterá outra vez numa imensa mancha branca de algodão, uma festança inundada pelo fole, pela zabumba e pelo rastejar dos pés no forró. Adeus penúria, bye bye pobreza, a vida vai parar de doer. O Potengi se encontrará com o Cabugi formando um só rio em cujas margens a terra semeada e adubada encherá de fartura o bucho da criação e de todo o povo.

No dia seguinte, estando em Angicos, fui visitar o Museu Expedito Alves, a quem sou grato por ele ter me ensinado a dirigir automóvel e foi lá onde encontrei uma mulher setentona que disse que era para eu mirar o Cabugi, pontualmente, ao meio-dia. Ela me garantiu que todo santo dia a essa hora, o pico se transforma numa grande cisterna. "Como se fosse uma cacimba e a água transbordasse", arrematou a meticulosa senhora.

 Eu voltei para o hotel. A noite foi de muita chuva. Ao amanhecer, o temporal tinha amainado e já havia um tapete de flores silvestres e uma caravana de papagaios dando vivas à vovó, que instalou no alto do pico uma cisterna cheinha de água, acabando com a triste fotografia dos retirantes nordestinos sem trabalho, com fome e com sede a vagar pelas estradas, procurando um lugar para morar. Finalmente, o pesadelo de Fabiano, Sinhá Vitória, dos dois meninos e da cachorrinha Baleia, personagens de um dos maiores clássicos da literatura brasileira, "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, alcançara o cume da extinção.

(Esta crônica é dedicada à Woden Madruga, o nosso homem da chuva).

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