domingo, 18 de outubro de 2015



18/10/2015
Método Paulo Freire – 30 anos da campanha de alfabetização de adultos de Angicos/Rn.                                                                      
1962-1992 – Série de Reportagens do jornalista Luiz Gonzaga Cortez – Prêmio jornalista Raimundo Ubirajara de Macedo – 1993.
A primeira matéria da série de reportagens foi publicada no Caderno “DN Educação”, do Diário de Natal, Ano I, número 002, em 16 de setembro de 1992,  sob o título “ Igreja recusa apoiar método Paulo Freire”.
                                                                         
                                Há trinta anos, desenvolveu-se no centro geodésico do Estado do Rio Grande do Norte, em Angicos, a campanha de alfabetização em massa de adolescentes e adultos, de 14 a 70 anos de idade, da América Latina. Foi a aplicação do chamado “Método Paulo Freire” de Alfabetização de Adolescentes e Adultos que, em 40 horas/aulas, alfabetizou centenas de criaturas que tinham “fome da cabeça”, graças ao inédito sistema pedagógico que alfabetizava e conscientizava politicamente.
                               O método era diferente, até então, dos já aplicados pela educação tradicional. Não havia livros nem cartilhas, mas uma série de palavras geradoras. Não havia professor. O coordenador era quem ensinava. Classe? Não existia. Os alunos eram reunidos em “círculos de cultura”. E os locais?  Eram colégios, salões ou locais suntuosos ou não? A resposta também é não.
                               As “turmas” de adolescentes e adultos, os círculos de cultura, reuniam-se em qualquer local – debaixo de uma mangueira, na cela de uma cadeia pública, no armazém da fazenda, no alpendre de uma casa do sítio do pequeno lavrador, numa escola abandonada, sem luz elétrica, água encanada e as tradicionais instalações escolares.
                               As aulas eram ministradas à noite, depois do término da labuta diária dos alunos, de ambos os sexos, com os mínimos  meios que dispusessem. As primeiras turmas contavam com rapazes, moças, velhos, homens e mulheres calejados pelo trabalho pesado na agricultura, na marcenaria e construção civil etc. Eram jovens e velhos operários e camponeses de uma terra calcinada e abandonada pelos poderes públicos.
                               Planejada em 1962 e iniciada em 18 de janeiro de 1963, os participantes da “Experiência de Angicos”, executada pelo Serviço Cooperativo de Educação, da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do RN – SECERN, através do Setor de Alfabetização de Adultos, viveram momentos fantásticos e inusitados em Angicos – viram mudo falar, viram crianças de 5 anos se alfabetizar sem ser alunas e o povo pensar que o Presidente da República ainda era Getúlio Vargas.
Para que 21 estudantes universitários  e secundaristas saíssem de Natal para levar os desenhos, fichas, cartilhas, projetores de eslaides, lâmpadas a querosene, baterias e outros materiais  didáticos, de acordo com a realidade sociológica e o universo vocabular  do município de Angicos, (80% da população vivia na zona rural) foi necessário o “estalo” na cabeça do jornalista Francisco Calazans Fernandes, natural de Marcelino Vieira – RN, jovem secretário de Educação e Cultura do Governador Aluizio Alves. Calazans queria fazer algo novo e revolucionário na administração de Aluízio, um político conservador, egresso da velha UDN, mas que se revelou, mais tarde, como o governante mais modernizador e desenvolvimentista da história do Rio Grande do Norte.
Ex-correspondente  internacional do “Jornal do Brasil” e redator de revistas americanas, como a “Time”, Calazans Fernandes, após o projeto piloto de Angicos, pretendia alfabetizar 100 mil norte-rio-grandenses, no prazo de 3anos, com a ajuda financeira do Governo do Estado, do MEC, Aliança Para o Progresso – USAID. Foram os dólares norte-americanos que financiaram a experiência das 40 horas de Angicos, sem provocar nenhuma deturpação no método criado pelo professor pernambucano Paulo Freire, da Universidade do Recife, que tinha feito uma experiência de laboratório, no Centro de Cultura Dona Olegarina, com cinco analfabetos.
Foi Calazans quem propiciou a retirada a retirada do método do laboratório para testá-lo no campo, no meio rural e  urbano da terra natal do governador do Estado. O Brasil, com o Presidente João Goulart, vivia um clima de muita liberdade e efervescência política. A América Latina era um barril de pólvora. A SUDENE dava os primeiros passos em prol do desenvolvimento do Nordeste, região na qual discutia-se intensamente como implantar e desenvolver um método de alfabetização de adultos, em escala massiva.
A opinião pública brasileira discutia o programa de Reformas de Base do Presidente João Goulart. Falava-se da necessidade de habilitar maior quantidade possível de pessoas a participar da discussão da reforma agrária, por exemplo, relembra Calazans Fernandes, que veio a ser o auxiliar de Aluízio Alves após um encontro casual num aeroporto do Rio de Janeiro.
Noutro encontro casual, com um engenheiro francês, na casa de Aluízio, em Natal, Calazans conheceu um equipamento do tipo de projetor de eslaides, formato de televisor, que projetava numa tela as imagens introjetadas  no aparelho. O projetor já estava sendo usado por um educador francês no Norte da Àfrica, com tribos do Senegal com bons resultados. “Eu imaginei que aquele equipamento pudesse ser uma boa arma de trabalho para  alfabetização de adultos. Fui à Embaixada Francesa tentar conseguir esse aparelho, mas não consegui. Mas concluí  que poderia fazer aquilo com monitores de áudio e vídeo. Nos defrontamos com grandes dificuldades para conseguir os aparelhos e os recursos. Tudo tinha que ter um custo/beneficio  baixo com resultados compensadores e um prazo relativamente curto porque as mudanças tinham que acontecer mais ou menos no curto prazo, pois, a partir de uma reunião em Bogotá, os ministros da educação da América Latina, discutiram a necessidade de uma revolução na educação. Evidentemente, que essas propostas eram interpretadas como preparação de de uma revolução social na América Latina”, disse Calazans Fernandes.
E nesse contexto de como fazer uma revolução social e educacional, Calazans Fernandes recebeu a dica do seu amigo Odilon Ribeiro Coutinho para procurar um obscuro professor que estava fazendo uma experiência com empregadas domésticas no subúrbio de Imbiribeira, Recife. Era Paulo Freire, do Serviço de Extenção Cultural da Universidade do Recife.
--Odilon era compadre de Paulo Freire, mas foi preciso muita conversa para convencer Paulo a se dispor a colaborar com um projeto no Rio Grande do Norte. Nessa altura, em 1962, quando nós tínhamos um esboço do projeto, chegamos a conclusão de que a metodologia de Paulo Freire era a oportunidade  adequada para o que se ia fazer e aí, antevendo dificuldades com o Governo do Estado, por causa da situação de confronto predominante na época, escolhemos o município de Angicos, por ser o centro geodésico do Estado, o lugar mais quente do RN, onde as coisas são difíceis e por ser a terra do governador. Eu pensei: se lá der certo, dará certo no resto do Estado e do País. Até então, eu dispunha  de uma ideia na cabeça, uma vontade de fazer e um professor em Recife chamado Paulo Freire, que ainda não havia assumido nenhum compromisso conosco.
, através do diálogo entre o transmissor ( o monitor) e o receptor (aluno) do Método Paulo Freire.
Quando nos convencemos que o método funcionaria, procuramos conversar com Dom Eugênio Sales, que  coordenava o Serviço de Assistência Rural-SAR, da Arquidiocese de Natal. Dom Eugênio não queria uma composição conosco. Queria trabalhar independentemente, não queria compromissos com o Governo do Estado. Procuramos Djalma Maranhão, que se mostrou muito simpático, mas já desenvolvia a sua campanha “De pé no chão” e também não quis se comprometer com a gente. Nessa altura, funcionava na Secretaria de Educação uma estrutura mole, ágil, eficiente e rápida: Serviço Cooperativo de Educação do RN – Secern. Foi o que executou tudo, os projetos aprovados com recursos que vinham do Banco Interamericano de Desenvolvimento-BIRD, da USAID e da Aliança para o Progresso, do Governo dos Estados Unidos. Djalma Maranhão não ajudou. A gente porque envolvia a Aliança. Paulo Freire  também ficou hesitante mas acabou vindo, foi pago com dinheiro da Aliança pela assistência que deu ao Rio Grande do Norte”, aduziu Calazans Fernandes, acrescentando, ainda, que o método Paulo Freire permanece atual, viável e revolucionário.
AULAS CONSIDERAVAM
UNIVERSO VOCABULAR

A primeirab etapa para a aplicação do Método Paulo Freire, em Angicos, foi uma pesquisa que revelou o universo vocabular (de onde se obteve as palavras chaves, chamadas geradoras, usadas na alfabetização de adultos) e a realidade sócio-econômica. As aulas foram ministradas com as palavras geradoras, palavras que eram pronunciadas pelos angicano. Por exemplo: Belota foi a primeira palavra geradora da primeira ficha que o Coordenador monitor usou na primeira aula, realizada depois da aplicação do Teste de Inteligência Não Verbal, de Pierre Giles Weil.
Os coordenadores usaram métodos modernos em matéria de pedagogia e didática, dispositivos “slides”, cartazes em “silke-scream”, álbuns seriados, etc. Os estudantes-voluntários, antes de irem para Angicos, participaram de um curso, no qual Paulon Freire falou sobre “Atualidade Brasileira: uma sociedade em trânsito”, na Faculdade de Direito, onde Marcos Guerra gozava de liderança. Participaram da Experiência de Angicos os estudantes Carlos A. Lyra Martins,  Dilma Ferreira Lima, Edilson Dias de Araújo, Giselda Gomes Salles, José Ribamar de Aguiar, Lenira Leite, Marcos José de Castro Guerra, Margarida (Margot) Magalhães, Pedro Neves Cavalcanti, Rosali Liberato, Talvani Guedes da Fonseca, Valdinece Correia Lima, Walkíria Félix da Silva, Marlene Vasconcelos, Maria do Socorro Correia Lima, Maria Madalena Freire, Evanuel Elídio da Silva, Maria Laly Carneiro, Geniberto de Paiva Campos,  Maria José Monteiro e Ilma Melo.

Na próxima matéria, contaremos como esses jovens deram as primeiras aulas em Angicos, empregando a palavra Belota, penduricalho de rede de dormir e de arreios de selas de jumentos e como se processava a transmissão de conhecimentos.

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